A explosão do a(r)tivismo (Juliana Monachesi)

Com trabalhos de perfis político e antiinstitucional, coletivos como Laranjas, Atrocidades Maravilhosas, GRUPO e Transição Listrada se apropriam das estratégias situacionistas dos anos 60 e revisitam as poéticas e propostas de artistas como Hélio Oiticica, Artur Barrio e Cildo Meireles.


Plantação de Postes”, trabalho do GRUPO, de Belo Horizonte

Texto de Juliana Monachesi
publicado em 2003 após visita ao acervo CORO – Coletivos em Redes e Organizações e conversa com Flávia Vivacqua sobre a emergência dos coletivos de artistas.

Em maio de 1970 o artista Artur Barrio realizou nas ruas do Rio de Janeiro o trabalho-processo “4 Dias 4 Noites”, uma experiência de deriva pela cidade que existe apenas como memória. A deambulação feita com o objetivo de, por meio do desgaste físico, “agudizar a percepção” não foi registrada em textos ou fotografias. Trata-se de uma obra de arte radical, que agrega ao caráter antiinstitucional e de crítica à mercantilização da arte da produção de Barrio um aspecto anti-historicizante. O cenário da arte contemporânea brasileira neste início de milênio vive uma fase em muito inspirada no situacionismo e ativismo de Barrio.

Laranjas, Atrocidades Maravilhosas, GRUPO, Transição Listrada, Núcleo Performático Subterrânea, Entorno, entre outros, conquistam aos poucos espaço no circuito das artes. São “coletivos” de artistas sediados, respectivamente, em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, São Paulo e Brasília, cuja atuação está voltada para ações diretas de encontro e embate com o público e o espaço, em geral por meio de intervenções abertas que chamam a atenção para paisagens esquecidas das cidades, remetendo a estratégias situacionistas (movimento surgido em Paris nos anos 60 que propunha uma revitalização do urbano pela arte; por meio da “psicogeografia”, os situacionistas buscavam uma religação afetiva com os espaços desvitalizados).

“Há muito a arte não fala mais do que vínhamos chamando arte. A narrativa gerada por esse sistema hegemônico, onde uma certa idéia de arte é mantida por meio de suas instituições (crítica, museus, salões) chegou a seu fim. É isso que certos críticos, como Arthur Danto, chamam de fim da arte”, afirma a respeito da cena artística atual a museóloga e curadora Cristina Freire, cujo foco de pesquisa no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo é a coleção de arte conceitual, desabrigada até poucos anos no acervo do museu.

Com postura antiinstitucional, articulação em grupos, busca de espaços independentes para expor seus trabalhos, produção de viés político e crítico essencialmente, jovens artistas em todo o Brasil fazem pensar em um revival da arte brasileira dos anos 60 e 70, que, em figuras como Hélio Oiticica, Barrio e Cildo Meireles, conheceu uma guerrilha contra o regime militar, contra o vazio no sistema das artes, contra a reificação da obra de arte etc. Hoje, a guerrilha acredita atacar a máquina da globalização neoliberal, contra o desmanche das instituições culturais e contra o canibalismo da produção artística pelo sistema comercial.

Para o curador e crítico de arte carioca Luiz Camillo Osório, não se trata de um revival: “Há uma sintonia com aquelas estratégias, com aquelas ações, uma vontade de inserção na vida; há uma articulação entre arte e política, mas é outro contexto, outra realidade”. As tensões culturais e políticas à flor da pele, em sintonia com manifestações em Seattle e Gênova, seriam o principal motor desta geração. Seu papel, reinventar a politização. “Nós vivemos, nas áreas artística e política, uma crise vocabular, uma crise de sentido, uma crise das categorias legadas pela tradição. Um tal vazio semântico exige uma postura, uma vontade de inserção que está presente nesses grupos”, afirma.

O debate sobre o ressurgimento de uma arte política e de articulações à margem do sistema das artes que, no início deste século, ainda engatinhava (Panorama 2001, Rumos Visuais 2001/2002, que mapearam alternativas de inserção), em menos de dois anos pôde se fundamentar na consolidação de dezenas de “coletivos” pipocando pelo Brasil, que diluem a autoria da obra de arte e problematizam a realidade social e cultural da região em que estão sediados. Exemplo emblemático foi a ação promovida pelo grupo Entorno, de Brasília, às vésperas da eleição presidencial: uma lavagem da praça dos Três Poderes. O flyer (estratégia de divulgação comum entre esses grupos) dizia apenas “venha de branco, traga uma vassoura e um balde”, menção nenhuma à “arte”.

O PhP (Phoder Paralelo) protagonizou ações mais sarcásticas durante a campanha eleitoral no Rio de Janeiro: pregou desenhos infantis de genitais em outdoors de campanha. A transgressão cavou espaço até em coluna social de um jornal carioca, que, sob o título “guerrilha”, questionava: “Há dúvida quanto ao que polui mais a paisagem -se os cartazes originais ou o novo adereço”. O movimento foi gestado no Rés do Chão, espaço independente dirigido pelo artista Edson Barrus que funciona há um ano no RJ. Se a efervescência de grupos e articulações “marginais” tem seus catalisadores, Edson Barrus é sem dúvida um dos principais, ao lado da paulistana Graziela Kunsch, que coordena o também independente Centro de ContraCultura de São Paulo (CCCSP), em atividade desde 2001.

O embrião do Rés do Chão foi uma experiência intitulada “Açúcar Invertido” entre maio e junho de 2002 na Funarte do Rio de Janeiro. Convidado para organizar uma exposição naquele espaço, Barrus propôs uma “quarentena de artistas para manifestar sintomas da arte contemporânea”, período de residência e convivência no qual a preocupação maior seriam os exercícios artísticos, e não seus resultados, ou seja, as “obras”. A ocupação foi polêmica, com os artistas do grupo Urucum (Macapá), por exemplo, transportando seis troncos de árvores retiradas das margens do rio Amazonas para o espaço da vivência, que foram sendo destruídos com motosserras ao longo do evento.

Desde então o Rés do Chão passou a funcionar como uma espaço sem vínculos com instituição nenhuma.
“Um projeto artístico em que os presentes cozinham e comem, os convidados trazem um incenso, uma câmera ou uma bebida. Rituais de convivência com música ao vivo e dança. É a festa, dessa maneira, na nossa prática, como resposta aos pesares da alienação e à “morte da arte”. Uma prática que libere nosso poder e que transforme nossas vidas através do que criamos espontaneamente e sem nenhuma idéia do resultado. É simplesmente começar a chegar e sentir e interagir com os outros para criar “situações” baseadas no que cada pessoa está fazendo no momento (…) para fornecer um novo modelo de significação produzido ativamente, e não passivamente (isto é, institucionalmente) recebido; e criar algo que possa ser discutido, mas nunca entendido, pelo olho treinado e controlador, algo sem potencial comercial, mas de valor além de seu preço, que depende da situação, não do estilo ou conteúdo”, segundo manifesto publicado no site www.resdochao.hpg.com.br

Barrus explica que a marginalização do artista é o critério de escolha para os convites que faz. Sobre a oscilação de qualidade entre os trabalhos apresentados no Rés do Chão, o artista é categórico: “A qualidade é um parâmetro de exclusão”. Ali, encontram-se diluídas as características reconhecíveis de arte e de espaço de arte: o Rés do Chão é também, e antes de tudo, a casa de Barrus, que vivencia constantemente processos de desterritorialização. “Acredito na precariedade, na falta de autoria, na apropriação”, afirma ele, que vê um encontro entre essa nova forma de produzir/pensar arte e Barrio ou artistas de atuação semelhante.

Para Cristina Freire, “se Artur Barrio está sendo considerado hoje um modelo, ficou por muitos anos à margem. Isso quer dizer que testemunhamos já há algumas décadas a saturação de uma certa noção de obra, de artista, de circulação e distribuição do que possa ser considerado obra de arte.

Nas experiências coletivas, em sua opinião, “o cotidiano e as formas de circulação mais simples são privilegiados. Trata-se de uma arte que se pauta no processo, mais do que numa obra acabada. Os gestos (contra os salões, as ordens instituídas remontam às origens da instituição dos museus e salões no século 18) são ainda hoje simbólicos, pois há uma intencionalidade que sugere que a lógica da identidade (individual) é superada pela lógica da identificação (coletiva). Diferentemente dos anos 1970, quando a estética e a ética tocam os limites da subjetividade de maneira contundente para retornar para o social”.
Como seu ponto de observação privilegiado é o museu, Cristina Freire aponta uma evidente e profunda inadequação entre as categorias da arte e os procedimentos adotados pelas instituições (dos regulamentos de salões de arte contemporânea aos procedimentos museológicos). “A crítica, por sua vez, também sofre de afasia ao ter dificuldade para nomear, o que equivale aqui a interpretar/assimilar poéticas contemporâneas. Esse descompasso cria lacunas nas coleções dos museus, isto é, nos registros de nossa memória cultural e por conseguinte na história da arte. Que sabem as gerações mais novas, a partir de nossos acervos públicos, dos grupos que também tomavam a cidade como campo de investigação, assalto, em São Paulo nos anos 70?”

A referência aqui é a grupos que surgiram no final da década de 70 e início dos anos 80, como Viajou sem Passaporte, 3Nós3 e Manga Rosa. Formado por Hudinilson Júnior, Rafael França e Mario Ramiro, o 3Nós3 espalhava pelas ruas de São Paulo o que denominava “interversões”, ações cujo sentido era inverter a percepção da paisagem urbana, muito mais do que simplesmente “intervir” nela: no início de 1979, por exemplo, o grupo realizou um encapuçamento de esculturas públicas com sacos de lixo, que pretendia denunciar o olhar sedado das pessoas que passavam por marcos, como o Monumento às Bandeiras, sem de fato os ver. Em julho de 79, protagonizaram a ação “X Galeria”, em que vedaram as portas das galerias de arte paulistanas com fita crepe formando um X e deixaram em cada uma o bilhete: “O que está dentro fica o que está fora se expande”.

O coletivo carioca Atrocidades Maravilhosas segue a mesma filosofia. Atuante desde 2000 e transformado em grupo pelas instituições culturais que passaram a convidá-lo para participar de mostras, esse agrupamento aleatório de artistas ficou famoso por espalhar lambe-lambes esteticamente intrigantes pelas ruas do Rio de Janeiro. Por iniciativa de Alexandre Vogler (e em parceria com a Fundição Progresso, onde foram produzidos os 5.000 cartazes/serigrafias), 20 artistas realizaram em abril de 2000 a intervenção “ATR(i)Ocidades Maravilhosas”, brincadeira com o slogan do governo Cesar Maia (“Rio Cidade Maravilhosa”). O nome do “grupo” derivou do título.

O trabalho de Vogler, “O Que os Detergentes Fazem com a Mão de uma Mulher”, pregado no muro do cemitério do Caju, mostrava um par de mãos com unhas pintadas de vermelho protagonizando uma cena pornográfica. Ducha aplicou sobre o logo da Coca-Cola (adulterado para Coca-Coca) carreiras de cocaína, propondo talvez uma citação das “Cosmococas” de Hélio Oiticica. No ano seguinte, o grupo seria catapultado à mais importante exposição de arte contemporânea brasileira depois da Bienal de São Paulo, o Panorama MAM, por ocasião da qual realizou diversas ações no espaço urbano em São Paulo: lambe-lambes com a bula de fabricação do anthrax impressa, enterro de garrafas de cachaça na rua; algodão espalhado em faixas de pedestres, configurando a obra “Andando na Nuvem”.

O cinismo em relação à institucionalização é coerente: “A cidade engole tudo; a dimensão pública não está na obra, e sim no registro”, afirma Vogler, o que fornece uma razão para o Atrocidades transitar entre a rua e o museu. Outra afirmação do artista: “Eu faço meu circuito, não preciso esperar convite nem babar ovo para ninguém”, o que esclarece, por outro lado, seu constante ativismo artístico: durante todo o ano de 2001, Vogler organizou -com os artistas Adriano Melhen, Aimberê Cesar, Ducha, Guga Ferraz, e Roosivelt Pinheiro- um evento chamado “Zona Franca”.

Tratava-se de uma ocupação artística independente, espécie de exposição mesclada a serão performático, sem curadoria, sem regras, que acontecia semanalmente na Fundição Progresso: “Nós convidávamos os artistas dizendo assim “tudo o que você não pode fazer em uma galeria, você pode fazer no Zona Franca”, e a ocupação resultou em uma grande desordem de anarquistas apresentando trabalhos aleatoriamente”. Em janeiro de 2003, um evento em moldes semelhantes foi realizado no Armazém (cais do porto, RJ), com o título “Alfândega”. São ações de resistência, organizadas ao sabor das oportunidades.

O Centro de ContraCultura de São Paulo, incorpora à preocupação de fomentar alternativas ao circuito estabelecido de arte o aspecto de vivência e trocas afetivas entre os protagonistas desse circuito ampliado. Aberto em agosto de 2001 o espaço defendia “abrigar artistas que abominam toda idéia de Arte”. Graziela Kunsch convidava “coletivos” para fazer uma residência de sete dias na casa; ao final, acontecia uma confraternização, em que eram a apresentados resultados da experiência.

Por vezes esses resultados assemelhavam-se a exposições tradicionais, que ela não desvaloriza: “Os grupos tinham liberdade total para fazer o que quisessem, e eu continuo acreditando na arte, o problema é que, desde que a arte existe, o “produto” vigente é elitista, mercantil, e alguém, ao ser “artista”, acaba sempre negando o direito do outro de ser artista também. Por isso é que eu aposto mais em ações diretas, diluídas no coletivo e na realidade, e não em uma realidade que existe à parte”.

Para o artista gaúcho Jorge Menna Barreto, do grupo Laranjas, o surgimento de tantos grupos no Brasil decorre também de uma sensação de que a linguagem artística não dá mais conta da realidade nem do indivíduo. “Juntar-se a outros é também juntar inconformidades, parte de uma urgência de falar de coisas que não encontram voz num movimento solo. Há somas e subtrações no grupo, as autorias são somadas e cria-se um novo autor, expandido. O grupo legitima sussurros individuais, oferece uma rede de sustentação para iniciativas que de outra forma ruiriam”, afirma.

Entre os trabalhos do Laranjas, destacam-se a ação no Centro de ContraCultura, em 2002, que consistiu em tingir a caixa d’água da casa com pigmento comestível laranja, gerando “desenhos intraparedes”, ativando a casa pelas entranhas, fazendo reverberar poesia no “espectador” ao se realizarem atos banais de abrir a torneira ou dar a descarga. Outra ação foi somar os pesos corpóreos dos quatro integrantes que participavam da ação, pegar o equivalente a esse peso em laranjas e fazer suco numa esquina de Porto Alegre para servir aos passantes. “Mas sempre fico com uma sensação de que essas ações são quixotescas e já nascem fadadas a promover somente arranhões numa estrutura que já há tempos se divorciou do que move o processo artístico”, diz.

os a(r)tivistas

Coletivos e grupos de a(r)tivistas

After-Ratos

Movimento artístico de atuação subterrânea que tem por lema: “Os ratos estão em todas as partes”

A.N.T.I. Cinema

Criadores de filmes de artista que negam toda forma de elaboração e de atuação e têm como princípio incorporar imprevistos, “deixar acontecer, resgatar as coisas boas da vida”. Pleiteiam contar como integrantes “todos aqueles que de alguma forma estejam dentro de um excerto de A.N.T.I. cinema (existem inúmeros desavisados). Todos os cineastas e simpatizantes já fizeram muito A.N.T.I. cinema na vida, mas quando resolvem se levar a sério vão para a película e para a ficção; não se trata exatamente de fazer uma apologia do precário, mas de fazer uma apologia à vida, nem planejada nem registrada, apenas vida”, afirma o ativista Mathias Fingermann

A Revolução Não Será Televisionada

Começou como produção independente para a TV (veiculada no Canal Universitário), protagonizada por “um guerrilheiro urbano fictício que utiliza a arte como arma”. Com formato experimental e atitude claramente política, o programa aglutina vídeos de artistas diversos, animações e imagens cotidianas, que em geral versam sobre o espaço urbano e seus prolongamentos, costuradas por intervenções em “off” do personagem narrador guerrilheiro. O laboratório multimídia teve um desdobramento expositivo no evento Mídia Tática Brasil, onde apresentou displays de banca de jornal figurando personagens midiáticos e ações na rua. É realizado por Daniel Lima, Fernando Coster, André Montenegro e Daniela Labra

Atrocidades Maravilhosas

Formado por Alexandre Vogler, Roosivelt Pinheiro, Ducha, Rosana Ricalde, Felipe Barbosa, entre outros, funciona como agenciador da produção artística coletiva em intervenções no espaço urbano, valendo-se sempre de mídias de comunicação de massa, principalmente na forma de lambe-lambes espalhados pelas ruas do Rio de Janeiro

Bete Vai à Guerra

Egresso do teatro, o grupo faz ações em São Paulo que atravessam o cotidiano dos transeuntes, sem que esses percebam tratar-se de uma ação artística, como jogar futebol na faixa de pedestres enquanto o farol está fechado ou distribuir pão com manteiga pelas ruas

Camelo

Agremiação de artistas de Recife (Marcelo Coutinho, Oriana Duarte, Paulo Meira e Ismael Portela) que produz trabalhos coletivos cujo viés nonsense põe em xeque a lógica do sistema de arte

EmpreZa

Grupo de Goiânia que trabalha sobretudo com “happenings”, performances, interferências urbanas e em circuitos, sempre priorizando o uso do corpo, alargando e questionando a tradição da “body art”. Formado pelos artistas Fábio Tremonte, Maria Beatriz Miranda, Paulo Veiga Jordão, Mariana Marcassa, Babidu, entre outros, o “coletivo” surgiu como grupo de estudos e segue valorizando a discussão sobre arte. Em uma das ações, “Sua Vez”, Paulo Veiga e Fernando Peixoto, de camisa e gravata, sentam-se à mesa de xadrez e protagonizam um jogo de tapas na cara, quem bate pára o relógio, o outro jogador estuda o adversário por alguns instantes e reage, pára o relógio e assim sucessivamente

Entorno

Sediado em Brasília, o grupo existe desde 2001 e atua principalmente com intervenções públicas de cunho político, como a ação “Lavagem da Praça dos Três Poderes” (1º de dezembro de 2002) e a reocupação, instalando novos marcos de fundação (mudas de árvores), de espaços da cidade abandonados pelo poder público. É formado pelos artistas André Santangelo, Marta Penner, Clarissa Borges, Valéria Pena-Costa, Nazareno, entre outros

Flesh Nouveau!

“Trepe nas ruas” é a filosofia do movimento, cujos ativistas atuam principalmente em Porto Alegre e celebram a “bebedeira desenfreada, os hábitos gratuitos e a cópula pela cópula”. Em seu manifesto “Chute o traseiro dos alternativos!”, declaram a aversão nouveausiana aos “indies”, a esportistas cosmopolitas, publicitários, cineastas, proselitistas da arte e à arte em si e conclamam “a todos que partilham desse original sentimento para que, ao topar com um desses blasés passeando pela rua de mãos dadas com sua namoradinha escrava da moda, que os encurrale, chute o traseiro de ambos e os sujeite a cruéis brincadeiras vis”. No final do manifesto, o mea culpa: “Flesh Nouveau parte do pressuposto de que é possível, e bom, ser fascista quando isto for pragmático para você. Vamos desconstruir tudo o que a humanidade já construiu. A arte é o próximo alvo”

Formigueiro

Grupo interdisciplinar de discussão e intervenção em mídias formado por Christine Mello, Giancarlo Lorenci, Inês Cardoso, Leila D, Lucas Bambozzi, Nancy Betts, Rachel Rosalen, Ricardo Basbaum, entre outros. Apropriam-se de formatos de alta ou baixa tecnologia gerando trabalhos coletivos em espaços públicos que questionam o discurso corrente sobre arte e tecnologia. O grupo apresentou no evento Mídia Tática Brasil a instalação “Universos Paralelos Mídias Alteradas”, que tematizava e denunciava “o blefe como obra”

Fumaça

Movimento caracterizado pela efemeridade dos eventos que articula: comporta-se como a fumaça, que, seja pequeno ou grande o local que ocupa, se expande até tomar todo o espaço e, tão rápido como surgiu, desaparece. Duas grandes ações-surpresa do Fumaça tomaram de assalto o corredor de artes plásticas da Faap, em São Paulo, em 2000, ocupando o espaço do chão ao teto com obras dos alunos, que reivindicavam uma retomada da faculdade

GRUPO

Surgiu em Belo Horizonte no começo de 2002, realizando uma série de intervenções no centro da capital mineira. Apresentou em São Paulo os trabalhos coletivos “Setas”, na região do Carandiru/SP, “Plantação de Poste” em Belo Horizonte/MG e “Propaganda Política Dá Lucro!!!“, espécie de inserção em circuito ideológico que consistia na distribuição de um panfleto de divulgação de um curso para publicitário free-lance. É formado pelos artistas Antônio de Araújo, Brígida Campbell, Daniel Saraiva, Fernanda Guimá, Marcelo Terça-Nada!, Vagner Villa Nova e Rafael Martins

Laranjas

Grupo de Porto Alegre que estabelece interligações afetivas entre espaços da cidade: durante o Fórum Social Mundial, fez uma intervenção-laranja, ligando o beco do Mijo, na av. Nilo Peçanha, ao acampamento do Fórum tapando os buracos nas ruas e calçadas do percurso entre os dois pontos com uma massa de gesso laranja. É formado pelos artistas Patrícia Francisco, Cristiano Lenhardt, Jorge Menna Barreto, Fabiana Rossarola e Cristina Ribas

Los Valderramas

Encabeçado pelo artista Fábio Tremonte, o grupo realiza ações banais nas ruas de São Paulo em datas pré-estabelecidas, como a circulação de fuscas brancos durante um dia inteiro ou de pessoas com guarda-chuvas coloridos em uma tarde chuvosa, o artista apropriando-se de situações cotidianas e gestos alheios

M.T.A.W.

Os integrantes anônimos do Movimento Terrorista Andy Warhol fazem ações pelas ruas de São Paulo vestindo perucas à Warhol. “A gente não gosta de revelar o nome dos integrantes porque anular a idéia de identidade é um dos motes do movimento, já que todos se vestem de Andy Warhol nas ações”, afirma um deles, respondendo por endereço coletivo de e-mail

Núcleo Performático Subterrânea

Os partícipes assumem como inspiração do núcleo a filosofia do filme “Os Idiotas”, de Lars von Trier, e protagonizam ações abobalhadas pelas ruas de São Paulo

ogrupovapor

Idealizado pelo artista Ducha, do Rio de Janeiro, defende uma “postura de antiteatro em relação ao circuito artístico em geral, em busca de novas teatralidades”. Atualmente o grupo realiza um projeto, com duração estimada de um ano, que consiste em fazer lentamente uma incisão no muro do parque Lage. “A cada dia um novo risco é feito em toda a extensão com um instrumento perfurante, o que está acontecendo há quatro meses e já pode ser percebido com facilidade”, conta Ducha

Rejeitados

“Coletivo de coletivos”, o grupo tem número de integrantes indeterminado e defende a implosão do sistema seletivo (de exclusão) de salões de arte e projetos curatoriais em geral; sua utopia, a inclusão artística indiscriminada, a dissolução da arte na vida e do artista na sociedade

RRADIAL

Formado por Alexandre Vogler, Luis Andrade e Ronald Duarte, o grupo defuma a cidade do RJ com uma chaminé portátil circulante (“Fumacê”), realiza festa de Ano Novo no 11 de setembro e fritura de ovos em ruas de Bangu (“Ovo no Asfalto”)

Transição Listrada

Artistas sediados em Fortaleza que defendem que intervir no cotidiano das pessoas é uma forma de contribuir na transformação da cidade. O grupo (Renan Costa Lima, Rodrigo Costa Lima e Vitor Cesar) atua na própria cidade, “não como um espaço de exposição, mas como um lugar próprio”, e expõe registros em fotografia ou vídeo na “BASE”, uma casa utilizada como espaço de trabalho da Transição e lugar de discussão e circulação de arte. Aberta a experimentações, a BASE recebe intervenções de outros artistas por meio do projeto CURTA (mostra de uma noite)

Urucum

Grupo sediado em Macapá cuja ação mais emblemática, intitulada “Os Catadores de Orvalho Esperando a Felicidade Chegar”, consiste em espalhar (vestindo óculos de natação) penicos coloridos no período de migração em que as andorinhas passam pela cidade para a coleta de orvalho

Valmet

Inicia sua atuação em 2002, em Goiânia, com a proposta de “fazer intervenções rurais, buscando uma interação artística na paisagem rural e imponente do cerrado e dos personagens desse espaço, tais como porcos, cabritos, vacas, árvores, regos de água, pessoas”, segundo o seu único integrante conhecido, Alexandre Pereira. Integrante do “Rejeitados”, o Valmet enviou projeto ao 9º Salão da Bahia de criação de um porco que seria exposto no vernissage

*Texto de Juliana Monachesi, originalmente publicado no Caderno Mais, da Folha de S.Paulo em 06/04/2003