Esquema Geral da Nova Objetividade (Hélio Oiticica)

**Texto de Hélio Oiticica

“Nova Objetividade” seria a formulação de um estado típico da arte brasileira de vanguarda atual, cujas principais características são:

  1. vontade construtiva geral;
  2. tendência para o objeto ao ser negado e superado o quadro de cavalete;
  3. participação do espectador (corporal, táctil, visual, semântica, etc.);
  4. abordagem e tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos;
  5. tendência para proposições coletivas e conseqüente abolição dos “ismos” característicos da primeira metade do século na arte de hoje (tendência esta que pode ser englobada no conceito de “arte-pós-moderna” de Mário Pedrosa);
  6. ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte.  A “Nova Objetividade” sendo pois, um estado típico de arte brasileira atual, o e também no plano internacional, diferenciando-se pois das duas grandes correntes de hoje: Pop e Op, e também das ligadas a essas: Nouveau Realism e Primary Structures (Hard-Edge).  A “Nova Objetividade” sendo um estado, não e pois um movimento dogmático, esteticista (como por exemplo p.ex. o foi o Cubismo, e também outros “ismos” constituídos como uma “unidade de pensamento”), mas “uma chegada”, constituída de múltiplas tendências, onde a “falta de unidade de pensamento” e uma característica importante, sendo entretanto a unidade desse conceito de “nova objetividade”, uma constatação geral dessas tendências múltiplas agrupadas em tendências gerais ai verificadas. Um símile, se quisermos, podemos encontrar no do Dada, guardando as distancias e diferenças.

Item 1: Vontade construtiva geral  No Brasil os movimentos inovadores apresentam, em geral, esta característica única, de modo bem especifico, ou seja, uma vontade construtiva marcante. Até mesmo no Movimento de 22 poder-se-ia verificar isto, sendo a nosso ver, o motivo que levou Oswald de Andrade a celebre conclusão de que seria nossa cultura antropofágica, ou seja, redução imediata de todas as influências externas a modelos nacionais. Isto não aconteceria não houvesse, latente na nossa maneira de apreender tais influências, algo de especial, característico nosso, que seria essa vontade construtiva geral. Dela nasceram nossa arquitetura, e mais recentemente os chamados movimentos Concreto e Neoconcreto, que de certo modo objetivaram de maneira definitiva tal comportamento criador. Além disso queremos crer que a condição social aqui reinante, de certo modo ainda em formação, haja colaborado para que este fator se objetivassemais ainda: somos um povo a procura de uma caracterização cultural, no que nos diferenciamos do europeu com seu peso cultural milenar e do americano do norte com suas solicitações super-produtivas. Ambos exportam suas culturas de modo compulsivo, necessitam mesmo que isso se de, pois o peso das mesmas as faz transbordar compulsivamente. Aqui, subdesenvolvimento social significa culturalmente a procura de uma caracterização nacional, que se traduz de modo especifico nessa primeira premissa, ou seja nessa vontade construtiva. Não que isso aconteça necessariamente a povos subdesenvolvidos, mas seria um caso nosso, particular. A Antropofagia seria a defesa que possuímos contra tal domínio exterior, e a principal arma criativa essa vontade construtiva, o que não impediu de todo uma espécie de colonialismo cultural, que de modo objetivo queremos hoje abolir, absorvendo-o definitivamente numa Super-Antropofagia. Por isto e para isto, surge a primeira necessidade da “nova objetividade” procurar pelas características nossas, latente e de certo modo em desenvolvimento, objetivar um estado criador geral, a que se chamaria de vanguarda brasileira, uma solidificação cultural (mesmo que para isso sejam usados métodos especificamente anticulturais); erguer objetivamente dos esforços criadores individuais, os itens principais desses mesmos esforços, numa tentativa de agrupá-los culturalmente. Nesta tarefa aparece esta vontade construtiva geral como item principal, móvel espiritual dela.

Item 2: Tendência para o objeto ao ser negado e superado o quadro de cavalete.  O fenômeno da demolição do quadro, ou da simples negação do quadro de cavalete, e o conseqüente processo, qual seja o da criação sucessiva de relevos, antiquadros, ate as estruturas espaciais ou ambientais, e a formação de objetos, ou melhor a chegada ao objeto, data de 1954 em diante, e se verifica de varias maneiras, numa linha continua, ate a eclosão atual. De 1954 (época de arte “concreta”) em diante, data a experiência longa e penosa de Lygia Clark na desintegração do quadro tradicional, mais tarde do plano, do espaço pictórico, etc. No movimento Neoconcreto dá-se essa formulação pela primeira vez e também a proposição de poemas objetos (Gullar, Jardim, Lygia Pape), que culminam na Teoria do Não-Objeto de Ferreira Gullar.  Há então cronologicamente, uma sucessiva e variada formulação do problema, que nasce como uma necessidade fundamental desses artistas, obedecendo ao seguinte processo: da demarche de Lygia Clark em diante, ha como que estabelecimento de “handicaps” sucessivos, e o processo que em Clark se deu de modo lento, abordando as estruturas primarias da “obra” (como espaço, tempo, etc.) para a sua resolução, aparece na obra de outros artistas de modo cada vez mais rápido e eclosivo. Assim na minha experiência (a partir de 1959) se da de modo mais imediato, mas ainda na abordagem e dissolução puramente estruturais, e ao se verificar mais tarde na obra de Antonio Dias e Rubens Gerchman se da mais violentamente, de modo mais dramático, envolvendo vários processos simultaneamente, já não mais no campo puramente estrutural, mas também envolvendo um processo dialético a que Mario Schemberg formulou como realista. Nos artistas a que se poderiam chamar “estruturais”, esse processo dialético viria também a se processar, mas de outro modo, lentamente. Dias e Gerchman como que se defrontam com suas necessidades estruturais e as dialéticas de um só lance. Cabe notar aqui que esse processo “realista” caracterizado por Schemberg, já se havia manifestado no campo poético, onde Gullar, que na época Neoconcreta estava absorvido em problemas de ordem estrutural e na procura de um “lugar para a palavra”, ate a formulação do não-objeto, quebra repentinamente com toda a premissa de ordem transcendental para propor uma poesia participante e teorizar sobre um problema mais amplo qual seja o da criação de uma cultura participante dos problemas brasileiros que na época afloraram. Surgiu ai então o seu trabalho teórico Cultura posta em questão. De certo modo a proposição realista que viria com Dias e Gerchman, e de outra forma com Pedro Escosteguy (em cujos objetos a palavra encerra sempre alguma mensagem social), foi uma conseqüência dessas premissas levantadas por Gullar e seu grupo, e também de outro modo pelo movimento do Cinema Novo que estava então no seu auge.  Considero então o turning point decisivo desse processo no campo pictórico-plástico-estrutural, a obra de Antônio Dias, Nota sobre a morte imprevista, na qual afirma ele, de supetão, problemas muito profundos de ordem ético-social e de ordem pictórico-estrutural, indicando uma nova abordagem do problema do objeto (na verdade esta obra e um antiquadro, e também ai uma reviravolta no conceito de quadro, da “passagem” para o objeto e da significação do próprio objeto).  Dai em diante surge, no Brasil, um verdadeiro processo de “passagens” para o objeto e para proposições dialético-pictóricas, processo este que notamos e delineamos aqui vagamente, pois que não cabe, aqui, uma analise mais profunda, apenas um esquema geral. Não e outra a razão da tremenda influencia de Dias sobre a maioria dos artistas surgidos posteriormente. Uma analise profunda de sua obra pretendo realizar em outra parte em detalhe, mas quero anotar aqui neste esquema que sua obra e na verdade um ponto decisivo na formulação do próprio conceito de “nova objetividade” que viria eu mais tarde a concretizar – a profundidade e seriedade e a seriedade de suas demarches ainda não esgotaram suas conseqüências: estão apenas em botão. Paralelamente as experiências de Dias, nascem as de Gerchman, que de sua origem expressionista, plasma também de supetão problemas de ordem social, e o drama da luta entre plano e objeto se da aqui livremente, numa seqüência impressionante de proposições. Seria aqui também demasiado e impossível analisá-la, mas quero crer que seja sua experiência também decisiva nessa transformação dialética e na criação do conceito “realista” de Schemberg. A preocupação principal de Gerchman centra-se no conteúdo social (quase de constatação ou de protesto) e no de procurar novas ordens estruturais de manifestação de modo profundo e racional (no que se aproxima das minhas, em certo sentido) a caixa-marmita, o elevador, o altar onde o espectador se ajoelha, são cada uma delas, ao mesmo tempo que manifestações estruturais especificas, elementos onde se afirmam conceitos, dialéticos, como o quer seu autor. Dai surgiu a possibilidade da criação do Parangolé social (obras em que me propus a dar sentido social a minha descoberta do Parangolé, se bem que este já o possuísse latente desde o inicio, e que foram criadas por mim e Gerchman em 66, portanto mais tarde). Sua experiência também propagou-se neste curto período numa avalanche de influencias. A terceira experiência decisiva para a afirmação do conceito “realista” Schembergiano, e a de Pedro Escosteguy, poeta a longo tempo, que se revelou em obras surpreendentes pela clareza das intenções e da espontaneidade criadora. Pedro Piruete-se ao objeto logo de saída, mas ao objeto semântico, onde impera a lei da palavra, palavra-chave, palavra-protesto, palavra onde o lado poético encerra sempre uma mensagem social, que pode ser ou não impregnada de ingenuidade. O lado lúdico também conta como fator decisivo nas suas proposições e nisso desenvolve de maneira versátil certas proposições que na época Neoconcreta surgiram aqui, tais como as dos poemas objeto de Gullar e Jardim, e as de Lygia Pape (Livro da Criação), onde a proposição poética se manifestava a par da lúdica. Pedro, dialético ferrenho, quer que suas manifestações de protestos se dêem de modo lúdico e ate ingênuo, como se fora num parque de diversões (para o qual possui um projeto). Ele e uma espécie de anjo bom da “Nova Objetividade” pelo sentido sadio de suas proposições. Na sua experiências, pelas conotações que encerra, pelo livre uso da palavra, da “mensagem”, do objeto construído, queremos ver a recolocação em termos específicos seus, do problema da antiarte, que aflui simultaneamente em experiências paralelas, se bem que diferentes e quase que opostas, quais sejam as de Lygia Clark dessa época (Caminhando) que anotaremos a seguir, as de Dias (proposições de fundo ético-social), as de Gerchman (estruturais também semânticas) e as minhas (Parangolé). Em São Paulo, em outros termos, nessa mesma época (1964-65) surge Waldemar Cordeiro com o Popcreto, proposição na qual o lado estrutural (o objeto) funde-se ao semântico. Para ele a desintegração do objeto físico e também desintegração semântica, para a construção de um novo significado. Sua experiência não e fusão do Pop com o Concretismo como o que querem muitos, mas uma transformação decisiva das preposições puramente estruturais para outras de ordem semântico-estrutural, de certo modo também participantes. A forma com que se da essa transformação e também especifica dele Cordeiro, bem diferentes da do grupo carioca, com caráter universalista, qual seja o da tomada de consciência de uma civilização industrial, etc. Segundo ele, aspira a objetividade para manter-se de elucubrações intimistas e naturalismos inconseqüentes. Cordeiro com o Popcreto prevê de certo modo o aparecimento do conceito de “apropriação” que formularia em dois anos depois (1966) ao me propor a uma volta a “coisa”, ao objeto diário apropriado como obra. nesse período 1964-65 se processaram essas transformações gerais, de conceito puramente estrutural (se bem que complexo, abarcando ordem diversas e que já se introduzira no campo táctil-sensorial em contraposição ao puramente visual, nos meus Bólides, vidros e caixas, a partir de 1963), para a introdução dialética realista, e a aproximação participante. Isto não só se processou com Cordeiro em São Paulo, como de maneira fulminante nas obras de Lygia Clark e nas minhas aqui no Rio.  Na de Clark com demarche mais critica de sua obra: a da descoberta por ela, de que o processo criativo se daria no sentido de uma imanência em oposição ao antigo baseado na transcendência, surgindo dai o Caminhando, descoberta fundamental de onde se desenvolveu todo o atual processo da artista que culminou numa “descoberta do corpo”, para uma “reconstituição do corpo”, através de estruturas supra e infra sensoriais, e do ato na participação coletiva – é esta uma demarche impregnada do conceito novo de antiarte (o ultimo item descrito neste esquema), que culmina numa forte estruturação ético-individual. É-nos impossível descrever aqui em profundidade todo o processo dialético deste desenvolvimento de Lygia Clark – assinalamos apenas a reviravolta dialética do mesmo, da maior importância na nossa arte. Paralelamente, intensificando esse processo, nascem as formulações teóricas de Frederico Morais sobre uma “arte dos sentidos”, com a consciência, e claro, dos perigos metafísicos que a ameaçam.  Finalmente, quero assinalar a minha tomada de consciência, chocante para muitos, da crise das estruturas puras, com a descoberta do Parangolé em 1964 e a formulação teórica dai decorrente (ver escritos de 1965). Ponto principal que nos interessa citar: o sentido que nasceu com o Parangolé de uma participação coletiva (vestir capas e dançar), participação dialético-social e poética (Parangolé poético e social de protesto, com Gerchman), participação lúdica (jogos, ambientações, apropriações) e o principal motor: o da proposição de uma “volta ao mito”. Não descrevo aqui também esse processo (ver em breve publicação da Teoria do Parangolé).  Outra etapa, ligada em raiz e que incluo ao lado dos 3 primeiros realistas cariocas segundo Schemberg, seria caracterizada pelas experiências já conhecidas e admiradas de Roberto Magalhães, Carlos Vergara, Glauco Rodrigues e Zílio. Qual o principal fator que se poderia atribuir a estas experiências que as diferenciariam numa etapa? Seria este: são elas caracterizadas, no conflito entre a representação pictórica e a proposição do objeto, na abordagem do problema, por uma ausência de dramaticidade, fator decisivo no processo, que confirma a aquisição de handicaps em relação as anteriores. Esses artistas enfrentam o quadro, o desenho, dai passam ao objeto (sendo que quadro e desenho são já tratados como tal), de volta ao plano, com uma liberdade e uma ausência de drama impressionantes. E porque neles o conflito já se apresenta mais maduro no processo dialético geral. Sejam nos desenhos e nos macro e micro objetos de Magalhães, surpreendentemente sensíveis e sarcásticos, ou nas experiências múltiplas de Vergara desde os quadros iniciais para o relevo ou para os anti-desenhos encerrados em plástico, ou para a participação “participante” do seu happening (na G4 em 66), ou nas de Glauco Rodrigues com suas manifestações ambientais (balões e formas em plásticos semelhantes a brinquedos gigantes), sólidos geométricos com colagens e anti-quadros, e ainda nas estruturas “participantes” de Zílio, em todos eles esta presente esta ausência exemplar de drama – ai as intenções são definidas com clareza matisseana, hedonista e nova neste processo. São artistas que ainda estão no começo, brilhante sem duvida, e que nos reconfortam com seu otimismo.  Se aqui o processo se torna veloz, imediato nas suas intenções, o que quer dizer dos novíssimos e dos outros ainda totalmente desconhecidos que abordam, criam já o objeto sem mais toda essa dialética da “passagem”, do turning point, etc. Esta mostra, primeira do “Nova Objetividade”, visa dar oportunidade para que aparecem estes jovens, para que se manifestem inclusive as experiências coletivas anônimas que interessam ao processo (experiências que determinaram inclusive a minha formulação do Parangolé). Não adianta comentar, mas apenas anotar alguns desses novíssimos, abertos a um desenvolvimento: Hans Haudenschild com seus manequins de cor (seria o nosso primeiro “totemista”), Mona Gorovitz e os seus underwears, Solange Escosteguy com suas anti caixas ou supra-relevos (para a cor), Eduardo Clark (fotografias, multidões e anti caixas), Renato Landim (relevo e caixas), Samy Mattar (objetos), Xisto Lanari, o baiano Smetak com seus instrumentos de cor (musicais). Ligia Pape, que no Neoconcretismo criou o celebre Livro da Criação, onde a imagem da forma-cor substituía “in totum” a palavra, cria a par de sua experiência com cinemas caixas de humor negro, manuseáveis, que são ainda desconhecidas, e abre novo campo a explorar, ou seja, este do humor como tal e não aplicado em representações externas ao seu contexto em outras palavras: estruturas para o humor.  Ivan Serpa, que passara das experiências concretas a dissolução estrutural das mesmas, depois ainda pela fase critica realista, retomou o sentido construtivo da época concreta num novo sentido, de imediato no objeto, predominando o sentido lúdico, sem drama, entrando com a participação do espectador. São proposições sadias que ainda serão por certo desenvolvidas, que também nos evocam certas premissas do conceito de antiarte, que as tornam de imediato importantes.  Em São Paulo queremos ainda anotar a experiência importante de Willys de Castro, que desde a época Neoconcreta criara o “objeto ativo” e desenvolveu coerentemente esse processo ate hoje, aproximando-se de soluções que se afinam com o que os americanos definem como primary structures o que alias acontece com as de Serpa e muitas obras da época neoconcreta como as de Carvão (tijolo de cor) e as de Almicar de Castro, que também mostraremos aqui nesta exposição. São experiências muito atuais, que tendem a uma busca de estruturas básicas para o objeto, fugindo a seu modo dos conceitos velhos de escultura e pintura. Isto se aplicaria também a experiências como as de Hercules Barsoti e de Aliberti, do grupo visual de São Paulo. Um desenvolvimento independente, mas fundamental, e o do grupo do Realismo Mágico de Wesley Duke Lee, centrado na Galeria Rex. Por incrível que pareça, apesar de sabermos da sua importância (que nesse processo descrito teria papel semelhante ao do Grupo Realista do Rio), pouco dele conhecemos. Um grupo fechado, extremamente sólido, mas do qual não podemos avaliar todas as conseqüências por desconhecermos sua totalidade. Apenas vamos anotar aqui, alem do de Wesley Duke Lee (nome já conhecido fora do Brasil plenamente, e cuja experiência abarca varias ordens estruturais, desde as pictóricas as ambientais), os nomes de Nelson Leirner, Resendo, Fajardo e Nasser.  Esta mostra servira também para nos confirmar o que prevíamos: as premissas teóricas do Realismo Mágico como uma das constituintes principais nesse processo que me levou a formulação da “Nova Objetividade”(…).

Item 3: Participação do espectador  O problema da participação do espectador e mais complexo, já que essa participação, que de inicio se opõe a pura contemplação transcendental, se manifesta de varias maneiras. Ha, porem, duas maneiras bem definidas de participação: uma e a que envolve “manipulação” ou “participação sensorial-corporal”, a outra que envolve uma “participação semântica”. Esses dois modos de participação buscam como que uma participação fundamental, total, não fraccionada envolvendo os dois processos, significativa, isto e, não se reduzem ao puro mecanismo de participar, mas concentram-se em significados novos, diferenciando-se da pura contemplação transcendental. Desde as proposições “lúdicas” as do “ato”, desde as proposições semânticas da “palavra pura” as da “palavra no objeto”, ou as de obras “narrativas” e as de protesto político ou social, o que se procura e um modo objetivo de participação. Seria a procura interna fora e dentro do objeto, objetivada pela proposição da participação ativa do espectador nesse processo: o individuo a quem chega a obra e solicitado a contemplação dos significados propostos na mesma – esta e pois uma obra aberta. Esse processo, como surgiu no Brasil, esta intimamente ligado ao da quebra do quadro e a chegada do objeto ou ao relevo e antiquadro (quadro narrativo). Manifesta-se de mil e um modos desde o seu aparecimento no movimento Neoconcreto através de Lygia Clark e tornou-se como que a diretriz principal do mesmo, principalmente no campo da poesia, palavra e palavra-objeto. E inútil fazer aqui um histórico das fases e surgimentos de participação do espectador, mas verifica-se em todas as novas manifestações de nossa vanguarda, desde as obras individuais ate as coletivas (happenings p.ex.). Tanto as experiências individualizadas como as de caractere coletivo tendem a proposições cada vez mais abertas no sentido dessa participação, inclusive as que tendem a dar ao individuo a oportunidade de “criar” a sua obra. A preocupação também da produção em serie de obras (seria o sentido lúdico elevado ao Maximo) e uma desembocadura importante desse problema.

Item 4: Tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos.  Ha atualmente no Brasil a necessidade da tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos, necessidade essa que se acentua a cada dia e pede uma formulação urgente, sendo o ponto crucial da própria abordagem dos problemas no campo criativo: artes ditas plásticas, literaturas, etc. Nessa linha evolutiva da qual surgiu, ou melhor que eclodiu no objeto, na participação do espectador, etc., o chamado grupo “realista” segundo Schemberg (no Rio), no campo plástico (incluindo ai as experiências de Escosteguy), conseguiu a primeira síntese de idéias nesse sentido aqui verificadas. Ai, a primeira obra plástica propriamente dita com caractere participante no sentido político, foi a de Escosteguy em 1963 que, surpreendido por gestões políticas de vulto na época, criou uma espécie de relevo para ser apreendido menos pela visão e mais pelo tato (alias chamava-se Pintura Táctil, e teria sido então a primeira obra nesse sentido aqui – mensagem político-social em que o espectador teria que usar as mãos como um cego para desvendá-la).  Essa idéias, ou linha de pensamento no sentido de uma “arte participante”, porem, já ha alguns anos vinham germinando de maneira clara e objetiva na obra de alguns poetas e teóricos, que pela natureza de seu trabalho possuíam maior tendência para a abordagem do problema. A polemica suscitada ai tornou-se como que indispensável aqueles que em qualquer campo criativo estão procurando criar uma base sólida para uma cultura tipicamente brasileira, como características e personalidade próprias. Sem duvida a obra e as idéias de Ferreira Gullar, no campo poético e teórico, são as que mais criaram nesse período, nesse sentido. Tomam hoje uma importância decisiva e aparecem como um estimulo para os que vêem no protesto e na completa reformulação político-social uma necessidade fundamental na nossa atualidade cultural. O que Gullar chama de participação, e no fundo essa necessidade de uma participação do poeta, do artista, do intelectual em geral, nos acontecimentos e nos problemas do mundo, consequentemente influindo e modificando-os; um não virar as costas para o mundo para restringir-se a problemas estéticos, mas a necessidade de abordar esse mundo com uma vontade e um pensamento realmente transformadores, nos planos ético-político-social. O ponto crucial dessas idéias, segundo o próprio Gullar: não compete ao artista tratar de modificações no campo estético como se fora este uma segunda natureza, um objeto em si, mas sim de procurar, pela participação total, erguer os alicerces de uma totalidade cultural, operando transformações profundas na consciência do homem, que de espectador passivo dos acontecimentos passaria a agir sobre eles usando os meios que lhe coubessem: a revolta, o protesto, o trabalho construtivo para atingir a essa transformação, etc. O artista, o intelectual em geral, estava fadado a uma posição cada vez mais gratuita e alienatoria ao persistir na velha posição esteticista, para nos hoje oca, de considerar os produtos da arte como uma segunda natureza onde se processariam as transformações formais decorrentes de conceituações novas de ordem estética. definitivamente e esta posição esteticista insustentável no nosso panorama cultural: ou se processa essa tomada de consciência ou se esta fadado a permanecer numa espécie de colonialismo cultural ou na mera especulação de possibilidades que no fundo se resumem em pequenas variações de grandes idéias já mortas.  No campo das artes ditas plásticas o problema do objeto, ou melhor da chegada ao objeto, ao generalizar-se para a criação de uma totalidade, defrontou-se com esse fundamental, ou seja, sob o perigo de voltar a um esteticismo, houve a necessidade desses artistas em fundamentar a vontade construtiva geral no campo político-ético-social. E pois fundamental a “Nova Objetividade” a discussão, o protesto, o estabelecimento de conotações dessa ordem no seu contesto, para que seja caracterizada como um estado típico brasileiro, coerente com as outras demarches. Com isso verificou-se, acelerando o processo de chegada ao objeto e proposições coletivas, uma “volta ao mundo”, ou seja, um ressurgimento de um interesse, pelas coisas, pelo ambiente, pelos problemas humanos, pela vida em ultima analise. O fenômeno da vanguarda no Brasil não e mais hoje questão de um grupo provindo de uma elite isolada, mas uma questão cultural ampla, de grande alçada, tendendo as soluções coletivas. A proposição de Gullar que mais nos interessa e também a principal que o move: quer ele que não bastem a consciência do artista como homem atuante, somente o poder criador e a inteligência, mas que o mesmo seja um ser social, criador não só de obras mas modificador também de consciências (no sentido amplo, coletivo), que colabore ele nessa revolução transformadora, longa e penosa, mas que algum dia terá atingido o seu fim – que o artista “participe” enfim da sua época, de seu povo. Vem ai a pergunta critica: quantos os fazem?

Item 5: Tendência a uma arte coletiva  Ha duas maneiras de propor uma arte coletiva: a primeira seria a de jogar produções individuais em contato com o publico das ruas (claro que produções que se destinem a tal, e não produções convencionais aplicadas desse modo) – outra a de propor atividades criativas a esse publico, na própria criação da obra. No Brasil essa tendência para uma arte coletiva e a que preocupa realmente nossos artistas de vanguarda. Há como que uma fatalidade programática para isto. Sua origem esta ligada intimamente ao problema da participação do espectador, que seria tratado então já como um programa a seguir, em estruturas mais complexas. Depois de experiências e tentativas esparsas desde o grupo Neoconcreto (Projetos e Parangolé meus, Caminhando de Clark, happenings de Dias, Gerchman e Vergara, projeto para parque de diversões de Escosteguy), ha como que uma solicitação urgente, no dia de hoje, para obras abertas e proposições várias: atualmente preocupação de uma “seriação de obras” (Vergara e Glauco Rodrigues), o planejamento de “feiras experimentais” de outro grupo de artistas, proposições de ordem coletiva de todas as ordens, bem o indicam.  São porem programas abertos a realização, pois que muitas dessas proposições só aos poucos vão sendo possibilitadas para tal. Houve algo que, ao meu ver, determinou de certo modo essa intensificação para uma proposição de uma arte coletiva total: a descoberta de manifestações populares organizadas (Escolas de Samba, Ranchos, Frevos*, Festas de toda ordem, Futebol, Feiras), e as espontâneas ou os “acasos” (arte das ruas” ou antiarte surgida do acaso). Ferreira Gullar assinalara já, certa vez, o sentido de arte total que possuiriam as Escolas de Samba onde a dança, o ritmo e a musica, vem unidas indissoluvelmente a exuberância visual da cor, das vestimentas, etc. Não seria estranho então, se levarmos isso em conta, que os artistas em geral, ao procurar a chegada desse processo uma solução coletiva para suas proposições, descobrissem por sua vez essa unidade autônoma dessas manifestações populares, das quais o Brasil possui um enorme acervo, de uma riqueza expressiva inigualável.   Experiências tais como a que Frederico Morais realizou na Universidade de Minas Gerais, com Dias, Gerchman e Vergara, qual seja a de procurar “criar” obras de minha autoria, procurando “achando” na paisagem urbana elementos que correspondessem a tais obras, e realizando com isso uma espécie de happening, são importantes como modo de introduzir o espectador ingênuo no processo criador fenomenológico da obra, já não mais como algo fechado, longe dele, mas como uma proposição aberta a sua participação total.

Item 6: O ressurgimento do problema da antiarte  Por fim devemos abordar e delinear a razão do ressurgimento do problema da antiarte, que a nosso ver assume hoje papel mais importante e sobretudo novo. Seria a mesma razão porque de outro modo Mario Pedrosa sentiu a necessidade de separar as experiências de hoje sob a sigla de “arte pós-moderna” – e, com efeito, outra a atitude criativa dos artistas frente as exigências de ordem ético-individuais, e as sociais gerais. No Brasil o papel toma a seguinte configuração: como, num pais subdesenvolvido, explicar o aparecimento de uma vanguarda e justificá-la, não como uma alienação sintomática, mas como um fator decisivo no seu progresso coletivo? Como situar ai a atividade do artista? O problema poderia ser enfrentado com uma outra pergunta: para quem faz o artista sua obra? Vê-se pois que sente esse artista uma necessidade maior, não só de criar simplesmente, mas de comunicar algo que para ele e fundamental, mas essa comunicação teria que se dar em grande escala, não numa elite reduzida a experts mas ate contra essa elite, com a proposição de obras não acabadas, “abertas”. Essa e a tecla fundamental do novo conceito de antiarte: não apenas martelar contra a arte do passado ou contra os conceitos antigos (como antes, ainda uma atitude baseada na transcendentalidade), mas criar novas condições experimentais, em que o artista assume o papel de “proposicionista”, ou “empresário” ou mesmo “educador”. O problema antigo de “fazer uma nova arte” ou de derrubar culturas, já não se formula assim a formulação certa seria a de se perguntar: quais as proposições, promoções e medidas a que se devem recorrer para criar uma condição ampla de participação popular nessas proposições abertas, no âmbito criador a que se elegeram esses artistas. Disso depende sua própria sobrevivência e a do povo nesse sentido.

Conclusão:  Mário Schemberg, numa de nossas reuniões, indicou um fato importante para nossa posição como grupo como grupo atuante: hoje, o que quer que se faca, qualquer que seja nossa demarche, se formos um grupo atuante, realmente participante, seremos um grupo contra coisas, argumentos, fatos. Não pregamos pensamentos abstratos, mas comunicamos pensamentos vivos, que para o serem tem que corresponder aos itens citados e sumariamente descritos acima. No Brasil (nisto também se assemelharia ao Dada) hoje, para se ter uma posição cultural atuante, que conte, tem que ser contra, visceralmente contra tudo, que seria em suma o conformismo cultural, político, ético, social. Dos críticos brasileiros atuais, 4 influenciaram com seus pensamentos, sua obra, sua atuação em nossos setores culturais, de certo modo a evolução e a eclosão da “nova objetividade” que já vinha eu, ha certo tempo concluindo de pontos objetivos na minha obra teórica (Teoria do Parangolé) – são eles: Ferreira Gullar, Frederico Morais, Mário Pedrosa e Mário Schemberg. Neste esquema sucinto da “nova objetividade” não nos interessa desenvolver a fundo todos os pontos, mas apenas indicá-los. Para finalizar quero evocar ainda uma frase que, creio, poderia muito bem representar o espírito da “nova objetividade”, frase esta fundamental e que, de certo modo, representa uma síntese de todos esses pontos e da atual situação (condição para ela) da vanguarda brasileira; seria como que o lema, o grito de alerta da “Nova Objetividade” – ei-la: DA ADVERSIDADE VIVEMOS!

*Termos brasileiros que correspodem a vários ritmos musicais.

**Publicado no catálogo para Nova Objetividade Brasileira no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1967.